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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A difícil relação Mãe-Filha - reportagem Psique Ciência e Vida

Família



A difícil relação Mãe-Filha

A mulher, a maternidade e os entrelaces psíquicos entre gerações

Por Marina Rribeiro
Marina Ribeiro é psicanalista, professora do curso "Entrelaces psíquicos entre mães e filhas" no Instituto Sedes Sapientiae; autora do livro Infertilidade e reprodução assistida - Desejando filhos na família contemporânea (Casa do Psicólogo, 2004), mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Contato: marinarribeiro@terra.com.br 


Entre uma mãe e uma filha há muitos mundos... O da paixão, da fusão, da ilusão de que não há limites de compreensão, nem de amor. O do afeto, da amizade, da delicadeza, da realização, da continuidade, do resgate, do carinho, da beleza, da maternidade e infinitos outros. Há, também, o universo da raiva, da rivalidade, da cobrança, do conflito, da inveja, da disputa, da dependência...
O que faz com que mãe e filha sejam referências da sabedoria popular quanto à dedicação e ao carinho e, ao mesmo tempo, lugar de intensas dificuldades, batalhas e culpas?

Uma relação tão delicada, peça de teatro de Leila Assumpção que ficou alguns anos em cartaz em São Paulo e foi assistida por inúmeras mães e filhas, emocionou platéias ao testemunharem as atrizes percorrerem sua trajetória de vida, do nascimento da filha ao envelhecimento da mãe.
Seguindo essa referência, vamos começar a pensar essa relação tão delicada no exato momento em que uma mulher descobre estar grávida de um bebê do sexo feminino. Apenas para lançar uma luz retroativa a este instante, o desejo de estar grávida está associado a uma de nossas primeiras identificações maternas − queremos ser mãe como nossa mãe. Prova desse fato é a brincadeira preferida das meninas pequenas: "vamos brincar de mamãe e filhinha?" A disputa para ser a mãe no grupo de meninas é feroz. Desejo primeiro e precoce de toda menina − ser mãe, como a própria mãe.
Interações delicadas
gravidez é a realização na vida adulta desse desejo primordial e tão postergado. Quando o bebê gestado é do sexo feminino, há quase uma reedição do que foi vivido com a mãe, o difícil e o fácil dessa relação. Reedição com aspectos conscientes e inconscientes, afinal, como Freud incomodamente revolucionou, nossa consciência é apenas a ponta do iceberg do mundo psíquico. Só para exemplificar, as facetas inconscientes do psiquismo podem se revelar por meio de manifestações físicas. Não é incomum a gestante de "primeira viagem" descobrir na experiência com o próprio corpo a história da mãe: uma paciente que teve várias dificuldades para amamentar no peito seu bebê soube a partir desse fato que nem sua mãe, nem sua avó materna tinham conseguido amamentar. Para três gerações de mulheres a amamentação foi uma experiência dolorosa e fracassada. Genética? Não apenas, mas sim uma experiência emocional marcada a ferro e fogo no corpo/psiquismo inconsciente dessas mulheres.

Cada dupla de mãe e filha é reeditada na geração seguinte; o que estava no palco na geração anterior, se não houve nenhum trabalho de elaboração dos conflitos e das dificuldades, tende a se repetir de uma maneira desconcertante na próxima. Transmissão psíquica entre gerações que é revelada com maestria no livro Cem anos de solidão de Gabriel Garcia Márquez, no qual as gerações se sucedem, mas as histórias e os nomes dos personagens se repetem até não sabermos mais quem é a mãe, quem é a filha, quem é o pai, quem é o filho.


Dito de outra maneira, mais figurativa, aquilo que colocamos no porão escuro da nossa vida e que não queremos ver nunca mais, aparece em nossos filhos com luzes ofuscantes. Isso é o que torna mais difícil a relação mãe e filha. Como assim, o leitor pode se perguntar? O que rejeitamos em nós mesmos, geralmente aqueles sentimentos que temos, mas não aceitamos, por isso negamos de "pé junto", pode encontrar em nossos filhos um terreno fértil. Um filho é, em parte e principalmente no início da vida, uma extensão de nós mesmos, é um projeto de continuidade, de descendência. Se os pais têm maturidade psíquica para reconhecer no filho um outro, diferente deles mesmos, as fronteiras psíquicas entre pais e filhos podem desempenhar uma importante função na qualidade desse relacionamento.




Fronteiras Psíquicas



Nas relações nas quais há fronteiras permeáveis e flexíveis entre pais e filhos o que é vivido na intimidade do lar tende a ser mais satisfatório para todos. É claro que isso é uma proposição ideal, pois as relações familiares tendem a ser as mais difíceis, justamente pela proximidade, pela ausência de fronteiras e de reconhecimento de diferenças. Com a agravante de que pais com dificuldades emocionais sérias tendem a dispor dos filhos como extensões deles mesmos, para o melhor e para o pior. Para exemplificar, são pais que diante do sucesso do filho comentam: este é meu filho! E diante do fracasso ou das dificuldades: quem é este, não parece ser meu filho!



Talvez para o leitor leigo seja estranha a colocação da existência ou não de fronteiras psíquicas entre pais e filhos, ou da necessidade de reconhecimento de que o filho seja um outro. Isso é devido à plasticidade do psiquismo que não reconhece fronteiras concretas, e ao fato de que nos constituímos como pessoas a partir de outros, especialmente os pais. Os limites entre o eu e o outro não são fáceis, nem simples, principalmente entre pais e filhos e especificamente entre mães e filhas.



A partir dessa compreensão podemos pensar o seguinte: se o nosso porão está entulhado de coisas, a filha ou o filho pode assumir para si a ingrata tarefa de cuidar do que está ali alienado, criando teia de aranha na mente da mãe e a impedindo de ser uma mãe mais inteira, mais livre e disponível psiquicamente. Uma vez que manter porões cheios de coisas exige muito trabalho mental, isso significa uma mãe ocupada (sob pressão) com aquilo que ela não quer saber de si.



As crianças tendem a assumir a tarefa de reparar a mente disfuncional da mãe para que ela possa ser uma mãe "suficientemente boa" para a criança. Exemplificando, lembrei-me de um desenho de uma caricatura na qual estava uma mãe toda descabelada, possivelmente deprimida, e seu bebê lhe oferecia um pente para arrumar o cabelo. Podemos dizer que quanto mais disfuncional é a mente da mãe, mais difícil será a relação com sua filha. E quanto mais funcional for a mãe, entenda-se uma mãe que reconhece a existência de um porão e não foge ao trabalho psíquico de reconhecimento de suas humanidades, mais presença e vivacidade psíquica encontraremos na relação com sua filha que, nesse caso, pode ser reconhecida como alguém diferente, separada da mãe.
Quanto mais uma mulher se dispõe a reconhecer suas dificuldades, seus fracassos, suas perdas, seus limites, maior a chance de que sua filha não precise se ocupar do que não lhe diz respeito e seja reconhecida como uma outra pessoa e não como uma continuidade da mãe.
Filiação Feminina

Mas por que as filhas e não os filhos são convocados a tão ingrata e infrutífera função? Justamente porque a mãe se identifica com a filha e vice-versa, pertencem ao mesmo gênero e à linhagem feminina da família - de mãe para filha. Os projetos da mãe para sua menina podem ter como característica a realização pela filha do que foi frustrante na vida da mãe. A mãe, não aceitando o que não foi possível em sua vida, passa o bastão a sua filha para que ela tenha quase que a obrigação de realizar planos de vida que pertencem à mãe. Nesse caso não há o reconhecimento da individualidade da filha, há pouca diferenciação psíquica entre mãe e filha, uma é quase que totalmente a extensão/continuidade da outra.

O que mais impressiona nessa herança é que ela passa despercebida da consciência da dupla mãe-filha. No consultório, casos com essa característica tendem a buscar análise por outros motivos: problemas no trabalho, dificuldade de relacionamento com homens, falta de prazer sexual, sintomas físicos diversos, transtornos alimentares, infertilidade sem causa aparente, etc. A relação com a mãe é idealizada, não há o reconhecimento de que a fusão é um sério problema, uma complementa a outra. As queixas que mobilizam a busca de análise são aparentemente desvinculadas do relacionamento mãe e filha.



À medida que o trabalho avança, vão aparecendo os projetos que são específicos da filha e que não são compartilhados com a mãe; a partir desse momento podem começar intensas brigas ou simplesmente um afastamento devido às diferenças e à individualidade da filha que está mais fortificada e definida. Geralmente esse processo é acompanhado por um estranhamento, e a filha pode se perguntar: quem é essa mãe que eu não conhecia, parece ser outra? A filha não tinha ousado ser ela mesma por intuir que isso desagradaria intensamente a mãe, ou ainda, mais preocupante, a individualidade da filha pode ser um fator de desorganização psíquica da mãe.

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